quinta-feira

Goldie, a Eterna Noiva de Red Mackey

Estive hoje à conversa com alguém que me fez uma pergunta interessante: Tem algum ídolo?Respondi que nenhum em particular. Não tenho ídolos, mas pessoas que me inspiram. E nisto, falei numa pessoa que relembro constantemente por me ser muito querida e que, verdadeiramente me inspirou, pela sua serenidade e pela sua história e modo de ver as coisas pelo lado mais positivo e divertido. Goldie Mackey, minha vizinha de condomínio enquanto estudei em Purdue University, Estados Unidos. Conheci-a nos seus 90 anos, quando um dia espreitava a sua caixa do correio. A conversa foi tão boa que, a partir desse dia, sempre que ouvia a minha porta, abria a dela, e disfarçando a espera que me fazia no corredor do prédio dizia: Oh, what a coincidence! Depois, convidava-me a entrar em sua casa, a sentar-me numa poltrona com mais de 50 anos e a ouvir o relato do último jogo de basket que tinha visto (era fanática por basket), da permanente que tinha feito Oh-have-you-noticed-it?- quando mal se notava a ida ao cabeleireiro e o que eu mais gostava... as histórias que contava!, como ter apreciado cigarros e whisky até aos 80 anos, conduzido até bem perto disso e ter sido a mulher do Director de Atletismo de Purdue, Mr. Guy Mackey, a quem carinhosa e apaixonadamente chamava de My Red... pelo seu cabelo ruivo e pelo tanto que o amava. Guy Mackey morreu em 1971. Deixara em Purdue o seu nome, na famosa Mackey Arena, um fenomenal estádio de basketball e deixara na sua Goldie lembranças que tive a sorte de ouvir na primeira pessoa, como o dia do seu casamento, algures em 1929. Disse-me que começou por ser sua secretária e que Red viu nela uma pequena flor. I was a pretty little girl! - dizia-me com os olhos meio cerrados, a sorrir que nem uma menina de escola. Era tão doce como o bolo de chocolate instantâneo que fazia no forno, o qual tantas vezes não sabia se estava ligado ou desligado. Details...details...! Don't worry. Colei-lhe autocolantes com abóboras berrantes do Halloween no sítio OFF, para a minha amiga ter alguma sorte com aquele fogão e forno. Um dia, ligou-me: Celia, vem a minha casa, por favor. Acordei com a certeza que o meu Red estava a acabar o dia de trabalho e a caminho de casa. Fiz almoço para os dois e pus a mesa. De repente dei por mim a pensar que ele já não está por cá. Mas amo-o como no dia em que ficámos noivos. Fui a casa de Mrs. Goldie, dei-lhe um abraço apertado, sentindo aqueles braços e tronco magros e sensíveis que se escondiam por baixo de um vestido Lacoste azul claro que lhe dava um ar ainda mais querido e jovem e disse-lhe que estava tudo bem. Perguntei-lhe se não se sentia sozinha, uma vez que já não tinha nenhum familiar. Oh, no Celia. I am ok with funerals. They serve these BIG sandwiches... I tell you... Olhei séria para ela. Depois larguei-me a rir. Rimos as duas. Ela prosseguiu: You see... one day the heart stops and we have to go. It's life, you see...  A leveza desta senhora... pensei para comigo. Adorava tudo nela, mas esta sua leveza de espírito e a forma como encarava a vida tornar-se-iam uma inspiração para o resto da minha vida. E tal como Mrs Goldie previa, um dia o coração dela parou e dessa forma, natural, leve e doce partiu. Por cá, ficou um retrato seu, com aquele sorriro que Goldie me deixou porque disse que era uma moldura de excelente qualidade! (a foto era just a detail...). Em mim ficou aquela frase dela: amo-o como no dia em que ficámos noivos. Tenho assim a certeza que o coração de Goldie era verdadeiramente Red, de Red e para Red e, como tal, sinto-o sempre a pulsar, como o amor sincero que sei ter sentido por alguém.

Foto: Edward Steichen, Vogue